A história por trás da parceria entre Ford e VW, que marca as novas Amarok e Ranger

Namoro entre as empresas é antigo, mas só agora vai gerar frutos com a chegada da próxima geração das picapes

Flávio Padovan

21/02/2022 – 11:303 minutos de leitura

Não é segredo que o casamento entre a Ford e a Volkswagen para o desenvolvimento de um projeto global unificado de uma picape (Ranger e Amarok) está em andamento nos últimos meses. Mas o que pouco devem saber que é esse namoro quase rendeu frutos 30 anos atrás.


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Nesse novo projeto, a Ford é responsável por desenvolver a nova geração da Ranger, além de uma van comercial com capacidade de carga de 1 tonelada, que também servirão de base para modelos da Volkswagen, como a Amarok. A marca alemã também vai criar uma van menor de uso urbano. Como parte do acordo, as duas empresas também irão trabalhar juntas no desenvolvimento de veículos elétricos e autônomos.

Tudo começou na Autolatina

Trata-se de uma longa história de um relacionamento cujo primeiro flerte aconteceu no final da década de 1980, até que a dupla de gigantes do setor finalmente sacramentasse essa parceria para produzir veículos deste porte. Tudo começou de fato em 1987, quando o enlace se desenhou e eu acompanhei de perto esse processo.

Aliás, não só acompanhei como participei dos bastidores dessa iniciativa bem no início da criação da Autolatina – junção da Ford com a Volkswagen –, quando ainda era executivo da montadora americana, já sabendo que se tratava de um momento histórico.

O objetivo principal da Autolatina era reduzir os custos, além de racionalizar e minimizar os investimentos utilizando-se o know-how das áreas técnicas e o aproveitamento das plataformas dos produtos existentes na época das duas marcas. As áreas comerciais permaneceram completamente separadas e de certa forma autônomas.

Naquela época, como gerente de produtos da área de picapes da divisão Ford, fui chamado pelo presidente da marca que me passou uma missão: viajar para a Argentina junto com um grupo de executivos da Volkswagen, trabalhar para trazer a picape Ford F-100 para o Brasil, e integrá-la à linha de produtos da marca alemã, com o seu logo e os devidos ajustes de estilo bem característicos da época: grades e faróis dianteiros redesenhados para e as modificações nas lanternas e para-choques traseiros com a aplicação do nome do modelo e a respectiva logomarca. 

Já na Argentina, ao receber os estudos para o projeto e as especificações do produto pretendido, não foi difícil entender que o veículo tinha um motor muito fraco para ser utilizado no território brasileiro, diferente do argentino – que é bastante plano e sem grandes obstáculos. Aqui no Brasil seria preciso um propulsor com muito mais potência, além da exigência da lei que preconiza capacidade mínima de 1 tonelada de carga para os motores a diesel, algo impossível de se conseguir para aquele modelo. 

Diante dos fatos, no mesmo momento eu informei que ao chefe da delegação da Volkswagen que a iiniciativa não teria um futuro promissor, o que causou grande frustração em todo o time e o projeto acabou não decolando. 

Plano de uma picape VW se materializou na Amarok

Com essa história contada, podemos compreender melhor que já naquela época havia o interesse de juntar as forças de cada marca para uma parceria viável e competente, tendo de um lado a Ford, tradicional fabricante e marca dominante no mercado de picapes, e do outro lado a Volkswagen, sem nenhuma experiência nessa área – até lançar algumas décadas depois, a Amarok – mas com muito know-how na fabricação de vans e comerciais leves. Assim, fica mais fácil de entender a relevância do projeto para a dupla. 

Depois desse episódio, alguns anos mais tarde eu recebi o convite para me tornar “a primeira cobaia a mudar de marca (ou divisão) dentro da Autolatina” e assumi a posição de gerente de marketing da área de caminhões da Volkswagen, hoje uma empresa separada, independente e líder de mercado, a Volkswagen Caminhões e Ônibus.

Um fato interessante é que com o fim da Autolatina, em 1996 eu retornei para a Ford onde ocupei vários cargos diretivos, quando em 2007 fui novamente convidado a voltar para a Volkswagen assumindo a vice-presidência de Marketing e Vendas da marca, onde tive a sorte e a oportunidade de liderar o projeto de lançamento da picape Amarok no Brasil. Um projeto audacioso, pois o produto nunca esteve no DNA da montadora alemã, que sofreu um bocado até ajustar o veículo ao mercado. 

É uma trajetória interessante para entender que, pitorescamente, aquela viagem para a Argentina foi o começo de um sonho que depois de mais de três décadas começa a se materializar com o projeto da Nova Ranger e da Amarok para a América do Sul, fruto da união de cooperação tecnológica das duas marcas no segmento de picapes e comerciais leves. 

Mais um sinal e a confirmação de que os caminhos da inovação e da capacidade de se reinventar continuam sendo os predicados principais para se manter forte e relevante em qualquer setor da economia. Não poderia ser diferente no setor automotivo. 


Flávio Padovan é sócio da MRD Consulting e foi diretor de operações da Ford na América do Sul, ocupou o cargo de vice-presidente na Volkswagen do Brasil e foi presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa).